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Cuca no Corinthians: A banalização de casos de violência sexual no futebol precisa acabar

Com a contratação do novo técnico do clube paulista, debates e protestos sobre a normalização de episódios de estupro dentro do espaço futebolístico reacenderam nas últimas semanas.


por Arine Figueiredo

Cuca, ex-jogador e atual treinador do Corinthians. Foto: Cesar Greco / Divulgação Palmeiras


Recentemente, o clube poliesportivo Sport Club Corinthians Paulista anunciou que o novo técnico do futebol masculino seria Alexi Stival, conhecido como Cuca. Bastou isso para retomarem as discussões que estavam em segundo plano na mídia, mas que, de fato, merecem atenção.


Cuca foi condenado por estupro em 1989 na Suíça, e até os dias atuais age como se não tivesse feito nada de errado e afirmando sua inocência, como recentemente relatou em sua primeira coletiva de imprensa para o seu novo clube na última sexta-feira, 21.


É difícil ter mais detalhes do caso, visto que o país conta com uma rigorosa lei de proteção de dados que varia de caso a caso. Isso se torna mais evidente em declaração feita recentemente pela Suprema Corte do país informando que o processo envolvendo o ex-jogador está em um sigilo de 110 anos.


O que se sabe é que o acusado respondeu pelo artigo 187 do código penal da Suíça, o qual é escrito como:

“Uma pessoa pode ser punida por até cinco anos de custódia ou fiança por: 1. Ter uma relação sexual com uma pessoa com menos de 16 anos; 2. Incitar uma criança menor de 16 anos a ter uma relação sexual; 3. Envolver uma criança de até 16 anos em uma relação sexual”


Outras informações são conhecidas ,também, pois foram muito bem informadas e apuradas pelos jornais da época, como o Der Bund, que contou como a menina de 13 anos acabou presa num quarto com vários homens (entre eles o Cuca). A vítima teria sido convencida a acompanhar alguns amigos para receber autógrafos e trocar camisas. Porém, chegando ao seu destino, os outros jogadores não quiseram prestar a ação e tiraram de perto os rapazes que a acompanhavam, sem o menor esforço. Após ser liberada, a vítima foi ao encontro de seus companheiros – que, pelo que consta nos registros ainda tentaram, sem sucesso, falar com administração do hotel – e contou tudo aos seus pais.


Depois do escândalo, a família da menina foi prontamente para uma delegacia de polícia. O caso e suas investigações se estenderam e chegaram a encontrar até o esperma de Cuca e de outro colega no corpo de Sandra, uma criança que teve sua inocência e juventude corrompidas por esses e outros dois jogadores.


Manchete de jornal da época, em 1987 (Cuca a direta da foto)


Mesmo com tudo isso há de e imaginar que a carreira do ex-jogador gremista iria despencar para nunca mais se erguer. Eis então que entra em cena as discussões sobre os privilégios que um homem cis e branco detém nas instâncias da sociedade. Será Cuca um desses casos?


Além de ter seguido como jogador, Cuca foi treinador de grandes clubes como: São Paulo, Palmeiras, Flamengo, Santos, Grêmio, Botafogo, Fluminense, Cruzeiro, Atlético Mineiro entre tantos outros. Então por que dessa vez, aparentemente, o anúncio de sua contratação em um novo clube tem levantado tanto alvoroço e discussões nas mídias sociais?


As recentes revoltas quanto ao caso são muito claras de se compreender. O Corinthians possui uma torcida politicamente ativa e um time de futebol feminino de destaque nacional. Gera-se, então, uma enorme estranheza para maioria da fiel torcida que o mesmo clube da democracia corinthiana – slogan utilizado pelo marketing das camisas desse ano, inclusive – e do #respeitaasminas tenha registrado nos papéis da sua história um nome tão infeliz como o de Cuca. Não à toa maioria das torcidas organizadas já se pronunciaram contra essa contratação.


Veja abaixo alguns posicionamentos da torcida Corinthiana:


























Infelizmente não é de hoje que casos de violência sexual isolados como esse ou até mais complexos, como em cenários de guerra, são normalizados. O corpo feminino é visto, desde sempre, como objeto ou recompensa.


De acordo com a historiadora italiana Lucetta Scaraffia, membro do Comitê Italiano de Bioética e professora da Universidade de Roma La Sapienza:

“Os exércitos vencedores exercem um direito de posse sobre o corpo das mulheres dos vencidos, tanto para dar vazão ao instinto sexual dos soldados, quanto para aterrorizar e humilhar as populações derrotadas. As mulheres são, ao mesmo tempo, a recompensa do soldado.”

E não precisamos ir muito longe para com os casos de violação sexual contra mulheres e crianças em guerras, como a Guerra na Bósnia-Herzegovina, a Guerra do Vietnam, 1° Guerra Mundial, genocídio na Armênia em 1915, “Estupro de Nanking” em 1937-1938, 2° Guerra Mundial, genocídio de Ruanda e outros vários exemplos tristes, já que, como bem pontua a escritora espanhola Marta Sanz em entrevista a a La Repubblica:

“Em condições “normais”, o corpo das mulheres é um campo de batalha pela discriminação econômica, pelo risco de exclusão e pobreza, pela somatização de um esforço que se duplica na esfera pública, pelo modo como as nossas diferenças se tornam desvantagens. Pela realidade dos feminicídios que não são violência doméstica, mas sistêmica.”

A violência que a menina Sandra sofreu em 1987 é algo que a diretoria do Corinthians deveria ter levado mais em consideração na hora da escolha para um novo técnico. Pois, de que adianta a possibilidade de conquistar títulos e vitórias hoje e ter para o resto da história do clube – uma das mais lindas e inspiradoras, diga-se de passagem – essa mancha eterna?


Revisão de texto: Paulo Roberto Maciel


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